Francisco Ferreira, presidente da Zero.
O termo 'estruturas' é muito vago e temos aqui toda uma enorme variedade de estruturas de construção que, obviamente, têm fragilidades grandes relativamente à sua resiliência climática. Estou a pensar no edificado, onde a ocorrência de eventos meteorológicos extremos poderá afetar zonas de construção ou outro tipo de estruturas, por exemplo, nas zonas litorais. Em todas as áreas de construção de estruturas de defesa do litoral, desde pontões às zonas portuárias, às zonas que permitem que não haja galgamento de ondas (que, com a subida do nível do mar e com as tempestades são mais frequentes) essas estruturas também têm problemas de resiliência.
Se calhar vale a pena focarmo-nos, dentro do edificado, num especto particular, que é o facto de Portugal ter vindo a desenvolver estratégias com vista a aumentar a eficiência energética do seu parque edificado, nomeadamente através do Plano Nacional de Energia e Clima, da estratégia de longo prazo para a renovação de edifícios e também dos planos de combate à pobreza energética. Mas a verdade é que a aplicação prática destas medidas está ainda muito limitada e desigual. Ou seja, uma grande parte dos edifícios em Portugal é antiga, apresenta fraco desempenho energético e não está preparada para resistir a fenómenos climáticos extremos, como ondas de calor, secas ou inundações.
E, portanto, apesar de alguns avanços, o país continua a enfrentar desafios importantes para assegurar que as estruturas edificadas se tornem verdadeiramente resilientes, e estamos a falar de investimentos enormes, quer do ponto de vista da proteção e salvaguarda da própria estrutura, quer da garantia para o utilizador (ou seja, os residentes e serviços, quem utiliza as edificações e outras estruturas), que elas continuam funcionais. E, portanto, temos identificadas as vulnerabilidades das estruturas, e aqui realmente as cheias e o aumento de temperatura com as ondas de calor e as secas surgem no topo das preocupações, tal como o aumento do nível do mar. Mas do ponto de vista das nossas respostas, ainda não estamos a fazer investimentos sem ser de manutenção, e não de resiliência para muitos destes casos em que as alterações climáticas estão a afetar determinadas estruturas. Portanto, os verdadeiros investimentos estruturantes de fundo ainda estão por resolver.
O setor da construção e reabilitação em Portugal enfrenta vários desafios estruturais, entre os quais o envelhecimento do parque edificado, maioritariamente ineficiente em termos energéticos, a escassez de mão de obra qualificada, e o custo das obras de reabilitação, o que torna o acesso ainda mais difícil às famílias vulneráveis, O que é agravado por dificuldades no processo de financiamento, pelos processos burocráticos complicados e pela capacidade de financiamento que é muito diminuta. Temos visto isso recentemente, com a aplicação das verbas do Plano de Recuperação e Resiliência.
A integração de critérios de resiliência climática nas intervenções é, portanto, ainda muito limitada. Mas também o próprio planeamento à escala, o planeamento urbano integrado a nível do bairro é ainda extremamente lento e escasso, e não integra ainda esta questão da segurança climática. O setor é também marcado por uma grande fragmentação empresarial e, além disso, não temos em Portugal uma cultura de manutenção preventiva que poderia reduzir os riscos futuros.
Acima de tudo, através de apoios públicos. E esses apoios públicos passam por envolver as comunidades, simplificar procedimentos, promover qualificação profissional, nomeadamente na área da literacia energética, incentivar soluções integradas, sustentáveis. Ou seja, sabemos a receita, mas falta-nos passar à ação e não temos conseguido chegar às pessoas. Muitos dos programas e dos investimentos que temos de apoios públicos, até com verbas comunitárias da União Europeia, não têm conseguido chegar a quem precisa. Portanto, é necessária toda uma cadeia de conhecimento e de implementação que não temos e que as Juntas de Freguesia, a Agência de Energia, não têm conseguido pôr a funcionar. Isso vê-se no Vale Eficiência e nos novos programas, com novos nomes, mas que se estão, aliás, a desviar do principal objetivo, que é desenvolver ações mais resilientes.
São realmente muito ambiciosas. E são tecnicamente possíveis, mas o montante de financiamento é enorme e a sua concretização também envolve vontade política e mobilização de todos os setores da sociedade, para começarmos esta vaga de renovação e melhorarmos a resiliência climática das cidades de forma integrada. Portanto, acho que ainda não temos noção, no país, do esforço que esta resposta à legislação comunitária exige, naquilo que é transformar a herança enorme de um edificado que não está preparado para lidar com este clima em mudança, até mais rápida do que se esperava.
Francisco Ferreira
Presidente da Associação Zero
Professor na Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa
Engenheiro do ambiente, investigador e ativista ambiental.
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